Olá, eu sou Tiago Rogero.
Este é o 5º episódio do Negra Voz Podcast, o podcast de História Negra do Brasil, do jornal O Globo.
O posto mais alto da “hierarquia” de uma companhia de balé clássico é o de Primeira-Bailarina, Primeiro-Bailarino…
O Teatro Municipal do Rio de Janeiro tem balé desde 1927.
A primeira vez em que uma bailarina Negra passou a fazer parte do Corpo de Baile do Municipal foi em 1948: Mercedes Baptista.
Até hoje, o balé do Teatro Municipal do Rio nunca teve uma Mulher Negra, que se identificasse como Mulher Negra, em seu mais alto posto, o de Primeira-Bailarina.
PAULO: “Mercedes Baptista entra aqui, em 1948, e não dança. E de 1948 até 2019 nós não tivemos nenhuma bailarina negra como solista no Theatro Municipal ou como primeira bailarina. Então assim, politicamente dizendo, a situação não mudou muito, né. Os nossos negros talentosos, que vão, que gostariam e que queriam trabalhar com o balé clássico, acabaram saindo do país”.
Este é o Paulo Melgaço, vice-diretor da Escola de Dança do Teatro Municipal do Rio, autor da biografia “Mercedes Baptista: a criação da identidade negra na dança”.
BETHANIA: “Olá, meu nome é Bethania Nascimento Freitas Gomes. E fui a primeira bailarina negra brasileira a me tornar principal dancer, ou primeira-bailarina, em uma companhia internacional de balé”.
Esta é Bethania Gomes. Ela entrou no balé do Teatro Municipal em 1988.
BETHANIA: “Porém, passando na audição, como todos, eu passei por micro agressões, como se diz hoje, diárias dentro dessa instituição. Minha passagem pelo corpo de baile foi breve e o grande motivo foi racismo”.
Fora do Brasil, ela se tornou Primeira-Bailarina, em 1999, na Companhia do Harlem, em Nova York. Hoje, é professora lá.
INGRID: “Olá, meu nome é Ingrid Silva, eu sou bailarina clássica no Dance Theatre of Harlem, sou nascida e criada no Rio de Janeiro, fui para Nova York com 18 anos, dançar na companhia do Dance Theatre of Harlem. Comecei balé no projeto ‘Dançando para não dançar’, na Vila Olímpica da Mangueira, aos 8 anos”.
E esta é a Primeira-Bailarina Ingrid Silva, da Companhia do Harlem, em Nova York.
Contar a história de Ingrid é contar a história de Mercedes Baptista e de Bethania Gomes.
Mas não só delas.
Ao longo do episódio, você ouvirá como a vida das três se cruza com a de outra grande bailarina negra brasileira.
Você já ouviu falar em… Consuelo Rios?
((( Trilha )))
Primeiro, Mercedes Bapista.
PAULO: “Desde o começo, uma história de sonho, luta, resiliência. A Mercedes nasceu em Campos. Na verdade, ela não traz a história do pai, mas ela é filha de uma costureira que veio morar no Rio de Janeiro. E ela disse que, desde pequena, ela sonhava em ser famosa. Quando chega, ela vai morar no Grajaú, ela estuda na Escola Municipal Barão Homem de Mello. E vai trabalhar em diversas funções, ela ajuda a mãe na costura, trabalha como chapeleira, trabalha como bilheteira de cinema. E depois ela tem a oportunidade de iniciar os estudos de dança dela com Eros Volúsia”.
Isso em 1944.
Cerca de um ano e meio depois, a Mercedes descobre a Escola de Dança do Teatro Municipal. Ela passa no teste e começa a frequentar as aulas do estoniano Yuco Lindberg.
PAULO: “A Mercedes era muito bonita como mulher, tinha uns cabelos enormes, aquelas coisas todas. Então, ele vai criar um balé chamado Iracema, ele vai dar uma série de oportunidades para ela. E a tentativa de ingresso dela, ou melhor, o ingresso dela no Theatro Municipal acontece em 1948”.
Pela primeira vez, uma Bailarina Negra passou a fazer parte do Corpo de Baile do Municipal.
Mas isso poderia ter acontecido pelo menos dois anos antes: em 1946, com outra bailarina.
PAULO: “Chamada Consuelo Rios, que tentou fazer a inscrição para o concurso, só que, quando ela veio fazer a inscrição, disseram para ela que as inscrições estavam encerradas. E ela descobriu depois que outras amigas conseguiram fazer inscrições a posteriori. Então, assim, a Mercedes só conseguiu se inscrever e participar desse concurso que foi um concurso interno para os alunos da escola de dança”.
A história da Consuelo não acaba aqui, e voltaremos a falar sobre ela daqui a pouco.
Nos anos 1940, a Mercedes Baptista conheceu o intelectual Abdias do Nascimento, escritor, dramaturgo e professor universitário. E conheceu também Ruth de Souza, que em 1945 se tornou a primeira atriz negra a se apresentar no palco do Municipal.
PAULO: “Mas a partir dos anos 1950, o Teatro entra num processo que, eu pessoalmente chamo de, um processo de internacionalização muito grande. Aí, óbvio, se eu falo balé clássico de repertório, eu falo num pensamento europeu. E nesse momento a Mercedes passa a não ter mais oportunidades. É óbvio que ninguém vai dizer que ela não tem oportunidades por causa da cor. Eu acho que o Brasil tem essa questão. Eles buscam te diminuir ou buscam outras soluções para poder encobrir a questão do racismo”.
Em 1950, Abdias do Nascimento, o fundador do Teatro Experimental do Negro, traz para um congresso no Brasil a coreógrafa e antropóloga americana Katherine Dunham.
PAULO: “A Katherine vem para esse congresso, ela vai dar aula, e a proposta é: que ela levasse, desse uma bolsa de estudos para um negro que se destacasse na aula dela, e a Katherine Dunham escolhe Mercedes Baptista. E ela dá uma bolsa para Mercedes Baptista trabalhar nos Estados Unidos com ela. A grande importância dessa ida dela para Nova York é que ela vai aprender como se faz pesquisa em dança e como se cria a partir dessas pesquisas”.
Em 1953, a Mercedes recebe uma carta informando que, para continuar no Teatro Municipal do Rio, ela deveria assumir como funcionária “estatutária” do Corpo de Baile.
PAULO: “Ela volta e continua a mesma coisa aqui. Ela vai continuar como aquela bailarina do corpo de baile. Só que ela volta com essa bagagem, e aí ela criar o balé folclórico Mercedes Baptista. Ela vai conseguir uma sala na Estudantina e vai oferecer aulas gratuitas para negros que sonhavam em ser artistas. Então, na primeira turma dela você tem entregador de jornal, você tem porteiro, você tem empregada doméstica, você faxineira, você tem uma série de negros”.
Com o tempo, ela consegue uma sala no prédio anexo ao Municipal e começa a dar aulas também para bailarinos do Corpo de Baile.
PAULO: “Ela é uma das criadoras da identidade negra da dança afro-brasileira”.
O Ballet Folclórico Mercedes Baptista começa a fazer sucesso, e passa a atuar no Teatro de Revista, no fim dos anos 1950.
PAULO: “Em paralelo a isso, ela começa as viagens internacionais. O grupo dela começa a ganhar vulto, e aí ela vai para Argentina, vai para a Europa. Bem, nessas viagens internacionais, ela leva a cultura brasileira. Os espetáculos dela eram um grande show. Porque, na verdade, você vai ter as danças de matrizes religiosas, Iemanjá… E vai ter também danças brasileiras, o congado… Danças nacionais, do nosso folclore. Ainda tem os números de canto. Ela tem os cantores, tem a capoeira. Então, na verdade, ela vai a cultura brasileira como um todo no espetáculo”.
Foram mais de 150 cidades europeias só nos anos 1960.
Também é nesse período que a Mercedes começa a atuar no… carnaval.
Em 1963, os carnavalescos Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona convidam Mercedes para coreografar a Comissão de Frente do desfile da Acadêmicos do Salgueiro.
PAULO: “A comissão de frente era um grupo que vinha apresentando a escola. Não tinha essa ideia de comissão coreografada, não. E a Mercedes vem com essa ideia de passos marcados”.
Hoje em dia isso faz parte do carnaval: toda comissão de frente é coreografada.
Mas a primeira vez foi em 1963.
A comissão de frente do Salgueiro dançou um minueto, e a escola ganhou seu primeiro título.
O enredo? Xica da Silva.
Aquele já era um carnaval histórico: foi o primeiro desfile na Avenida Presidente Vargas, na Candelária, e não mais na Avenida Rio Branco.
O cineasta Cacá Diegues diz que esse desfile o inspirou a fazer “Xica da Silva”, em 1976, o filme estrelado pela grande Zezé Motta.
E a Mercedes Baptista tomou gosto pelo carnaval.
PAULO: “Uma das paixões dela vai ser o carnaval, vai ser o Salgueiro. Ela trabalha no Salgueiro os anos 1960 e 70 inteiros. Ela só deixa de trabalhar no Salgueiro quando Fernando Pamplona sai do Salgueiro”.
Mercedes continuou também a dar aulas. Tanto no Teatro Municipal quanto nos… Estados Unidos. Lá, ela foi professora convidada numa companhia recém-criada que se propunha a tornar mais democrático e diverso o ambiente do balé clássico: a do Harlem.
Quem fundou a companhia, em 1969, foi o americano Arthur Mitchell. Ele já estava na História por ter sido, em 1955, o primeiro bailarino negro a fazer parte do famoso New York City Ballet.
E ouça só isso: quando o Arthur Micthell decidiu criar a Companhia do Harlem, ele estava no… Brasil.
Ele fazia parte de uma comissão enviada pelo governo americano para ajudar na criação de um Balé Nacional brasileiro.
Mas em 4 de abril de 1968, o reverendo Martin Luther King Jr., ativista da luta pelos direitos civis, foi assassinado, nos Estados Unidos.
Mitchell decidiu voltar para casa, para o Harlem, e ensinar para os seus.
Criou a primeira companhia de balé clássico majoritariamente negra do país.
E foi no Harlem que, em 1999, uma mulher negra brasileira chegou pela primeira vez ao posto mais alto de uma companhia clássica de balé: o de Primeira-Bailarina.
A carioca Bethania Gomes.
BETHANIA: “Sou filha de Beatriz Nascimento, ativista do movimento negro, poetisa, historiadora, e filha de José do Rosário Freitas Gomes, conhecido como Josa, caboverdiano, artista plástico, e arquiteto. Eu sou metade brasileira, metade caboverdiana, já vivi em Cabo Verde mas passo toda a maioria da minha vida, mesmo, no Brasil”.
Desde os anos 1990, ela mora em Nova York.
Bethania começou a dançar por uma prescrição médica, do ortopedista.
Um dia, ela foi assistir a uma aula da Escola de Dança do Teatro Municipal.
Ficou encantada com a professora e decidiu fazer um teste. Passou.
Sabe quem era a professora?
BETHANIA: “Dona Consuelo Rios foi para mim a minha professora mais forte, mais poderosa”.
Consuelo Rios.
Aquela mesma que, se não fosse pelo racismo, teria se tornado a primeira bailarina negra do Municipal dois anos antes de Mercedes Baptista.
PAULO: “Em 1946, quando disseram pra ela que não tinha mais vaga, que ela queria jogar tudo pra cima, uma professora dela, que era do original balé russo, Tatiana Leskova, que é a grande mãe do Teatro Municipal nos anos 1950, e aí a professora fala: não dê munição pros seus inimigos. Você não entrou agora, mas você pode vir a ser alguém. Mas para isso você vai ter que estudar. Não só balé, como tudo”. E aí foi quando ela vai fazer faculdade e se torna uma das maiores professoras de balé clássico que a gente teve”.
Dona Consuelo estudou muito, e não só balé.
Formou-se em Educação Física e, além do Teatro Municipal, dava aulas no Colégio Pedro II.
BETHANIA: “Ela me mostrou a realidade dos obstáculos que eu iria enfrentar, como mulher negra, como jovem negra, né, na época. Era um elo, criou-se um elo entre nós duas e ela sempre foi muito querida comigo, sempre foi realista, algumas vezes bem dura, mas isso foi fundamental para minha formação como bailarina, como mulher negra, como cidadã negra do Brasil. Pra saber como enfrentar e como combater o racismo em uma área onde a estética é totalmente branca e europeia, né”.
Em 1989, pouco mais de um ano após entrar para o Corpo de Baile do Municipal, a Bethania decidiu sair.
BETHANIA: “Meninas negras não são incentivadas para se tornarem grandes bailarinas. Elas podem ser incentivadas para se tornarem bailarinas. Mas não são incentivadas a se tornarem grandes bailarinas A minha mãe, que sempre me incentivou, foi grande incentivadora da minha carreira e tudo, e ela incentivava muito que eu saísse do Brasil, principalmente depois que eu tive a experiência do Teatro Municipal, ela foi a favor da saída do Teatro Municipal. Ela achou que, né, depois que eu passei eu deveria realmente cortar laços com essa instituição e não tentar mais nada”.
Beatriz Nascimento, a mãe de Bethania, é uma das principais intelectuais negras brasileiras. Ela dá nome, hoje, à Biblioteca do Arquivo Nacional.
Beatriz nasceu em Sergipe, em 1942, e veio ainda jovem para o Rio.
Poetisa e historiadora, foi uma das primeiras acadêmicas a subverter a ideia da negra e do negro como objeto de estudo.
Beatriz era especialista em temática étnico-racial, cultura e história afrobrasileiras e no estudo dos nossos Quilombos.
Ela foi assassinada em 1995, ao defender uma amiga de um companheiro violento.
Beatriz estava cursando mestrado na Escola de Comunicação da UFRJ.
((( Pausa )))
Mas celebremos o legado de Beatriz Nascimento.
Contemporânea de Lélia González, ela também viajava muito para congressos fora do Brasil.
Trazia uma porção de livros e revistas para Bethania.
BETHANIA: “O balé do Harlem foi uma das minhas grandes inspirações para continuar a dançar, quando ainda menina. A minha mãe trouxe um livro, com fotos e revistas, com fotos de bailarinos negros e tinha muitas fotos da Companhia Dance Theatre of Harlem”.
Em 1990, Bethania partiu para Nova York. Fez um teste na companhia do Harlem, e passou.
BETHANIA: “Minha primeira viagem com a companhia foi pra África do Sul, na qual eu dancei pra Nelson Mandela, foi incrível, foi uma benção. Eu sou muito grata pela carreira que eu tive, e eu tenho muito carinho, muita gratidão pelo DTH, pelo Mr. Mitchell, que Deus o tenha, também, Mr. Mitchell, depois que eu saí das mãos de Dona Consuelo, eu fui para as mãos de Mr. Mitchell, e ele foi como meu segundo pai, e ele realmente me ensinou também a como ser uma verdadeira guerreira”.
Pela companhia, ela conheceu 26 países.
Em 2007, a Bethânia ficou grávida do filho, Arjan, e decidiu voltar ao Rio para que ele nascesse brasileiro. Nesse período, ela deu aulas no projeto Dançando para Não Dançar, criado pela bailarina Thereza Aguilar em 1995 e que, hoje, ensina balé para crianças e adolescentes de 16 comunidades do Rio.
INGRID: “E ela me viu no cantinho da sala e falou ‘Ah, eu acho que ela tem talento, acho que seria legal mandar um vídeo dela’. E aí, mandamos o vídeo, a salinha era deste tamanho aqui. Eu lembro que eu pulava de um lado para o outro e a parede já estava ali na hora”.
Esta é a Ingrid Silva, novamente. Ela foi chamada para fazer uma audição em Nova York… e passou. Ganhou uma bolsa de estudos para a Companhia do Harlem. Depois, entrou profissionalmente para o grupo, onde está até hoje.
Tornou-se Primeira-Bailarina.
A Ingrid é muito ativa nas redes sociais.
Tem um vídeo dela, de 2016, que fez sucesso.
A câmera do celular está no chão, a Ingrid está sentada e começa a calçar as sapatilhas de balé.
Qual a cor de uma sapatilha?
Rosa. Rosa-claro. Branco. Às vezes, um pouquinho dourado.
No vídeo, a Ingrid mostra para a câmera um potinho de maquiagem líquida… marrom. Ela borrifa numa esponja e começa a… pintar as sapatilhas.
INGRID: “A meia e a sapatilha da cor da pele é um look do Dance Theatre of Harlem criado desde 1969”.
Quem criou o look foi o fundador da Companhia, o Arthur Mitchell.
INGRID: “Porque o fundador queria que as bailarinas da companhia tivessem um look contínuo. Que você olhasse pra uma pele negra e não visse uma meia rosa e um pé rosa cortando aquilo. Ele queria que cada bailarina tivesse sua própria cor da pele e sapatilha. Quando eu cheguei lá que eu entendi o que era aquilo. Até então eu sempre usei rosa, sapatilha rosa e não sabia nada da história. O empoderamento que tem quando você se olha, seu próprio tom de pele da cabeça aos pés, e você não vê uma barreira ou um empecilho… Então antigamente a companhia pintava as sapatilhas com borra de café, com maquiagem”.
A Ingrid nasceu em 24 de novembro de 1988, em Benfica, na Zona Norte do Rio.
INGRID: “Com 3 anos, minha mãe me colocou na natação. Tenho um irmão, Bruno, e a gente sempre faz várias atividades para não ser uma daquelas crianças que ficam à toa sem fazer nada, a gente teve essa oportunidade… Com 8 anos, na Vila Olímpica mesmo da Mangueira a gente já fazia natação, futebol, basquete, todas essas atividades, e aí eles implantaram o projeto ‘Dançando para não dançar'”.
MAURENY: “Porque eu sentia que ela gostava do balé, que ela via na televisão quando passava uma bailarina, e ela ficava assim na pontinha do pé na frente da televisão, aí eu sempre falava pro pai dela quando tava próximo: “Ó, ela vai ser uma bailarina’. ‘Que isso?’. ‘Vai, olha só o jeitinho dela'”.
Essa é a mãe da Ingrid, a dona Maureny dos Santos Oliveira. O nome do pai da Ingrid é Claudio Santos da Silva.
MAURENY: “Ela ficava na pontinha do pé segurando assim no móvel e imitando a bailarina que ela via na televisão. E aquilo ali me incentivou a botar ela na dança, primeiro começou na natação, e aí eu fui descobrindo outros esportes na Vila Olímpica e encaixando ela e o irmão. Quando não estava na escola, tava no esporte”.
Depois, a Ingrid ingressou na Escola de Dança do Municipal, que hoje tem o nome de Escola Estadual de Dança Maria Olenewa. Ela ainda conseguiu uma bolsa no Centro de Movimento Deborah Colker e fez estágio, aos 17 anos, no Grupo Corpo.
Aos 18, ela chegou a Nova York.
Desde então, se apresentou em mais de 10 países.
A Bethania, hoje, é técnica da Ingrid na Companhia do Harlem.
Eu conversei com Ingrid e com a dona Maureny em maio, no Rio, quando a Ingrid foi convidada a se apresentar no Prêmio Sim à Igualdade Racial, do ID_BR, no Copacabana Palace.
Nessa época, antes de vir para o Brasil, ela não via o pai e o irmão há dois anos.
Eu perguntei à Ingrid sobre o… futuro.
INGRID: “Hmmm…. Não sei, tenho tanta coisa pra fazer… Eu acho que assim, uma das ideias que eu quero fazer primeiro, é terminar de ajudar minha mãe a construir a casa dela, que ela tem aqui, e isso é uma coisa que eu quero que seja assim, o mais rápido possível… E eu acho que futuramente eu gostaria de dançar em mais lugares sozinha e não só com a minha companhia, mas representando um pouco mais da cultura em lugares que eles não veem bailarinas negras, porque é raro. E as que tem, não têm sucesso no Brasil. Porque o Brasil em si não vê a mulher negra hoje em dia como uma bailarina clássica. Então quando você consegue, parece que você é um mito. Você vira o Pelé. E não deveria ser assim, é meio que ridículo. Porque a gente tem muitas mulheres negras que já fizeram várias coisas neste país, já contribuíram por tudo e não têm oportunidade no seu próprio lugar. Então você tem que ir pra lá, fazer lá para as pessoas te reconhecerem aqui de volta. E é chato, é muito chato isso”.
PAULO: “Ser negro é auto-afirmação, é auto-aceitação. É auto-identificação. Porque, por exemplo, a gente tem bailarinos no corpo de baile e bailarinas que tem uma pele, uma tonalidade mais escura, que certamente, se a gente estivesse nos Estados Unidos, eles seriam, teriam sido considerados negros. Mas aqui no Brasil, o conceito de negro é mais amplo”.
Aqui novamente o Paulo Melgaço, biógrafo da Mercedes Baptista e vice-diretor da Escola de Dança do Teatro Municipal.
PAULO: “Seguindo esse conceito de auto-identificação, a gente vai ter Mercedes Baptista, a Betânia, que faz concurso, que ingressa, que era muito talentosa e que foi aluna da Consuelo Rios. E vai ser essa Betânia, numa visita ao Brasil, vê a Ingrid e consegue levar a Ingrid, e lá ela faz uma carreira maravilhosa, se tornando primeira bailarina”.
Só em 2003, um homem negro pôde pela primeira vez fazer o papel principal de um balé clássico no Teatro Municipal do Rio: Bruno Rocha, em “Giselle”, ao lado de Ana Botafogo.
E nenhum outro até hoje.
Dona Consuelo Rios faleceu em 2010, aos 86 anos.
Dona Mercedes Baptista faleceu em 2014, aos 93 anos. Há uma estátua de bronze em homenagem a ela no Largo de São Francisco da Prainha, na Região Portuária do Rio, bem pertinho da Pedra do Sal.
PAULO: “Ela falava o tempo todo: ‘Eu fui muito discriminada. Eu não dancei no Theatro Municipal porque eu era negra’. Era muito difícil você se assumir como negro, porque se assumir como negro é carregar toda uma carga de sofrimento, toda uma carga de negação, toda uma carga de subalternização. As novas gerações estão tendo essa facilidade, ou essa possibilidade de se assumirem enquadro negros. A Mercedes teve essa consciência, morreu com essa consciência de que a luta dela foi muito grande e que ela foi discriminada e que o racismo no Brasil é algo que acontece”.
BETHANIA: “Esse legado, que vem da Dona Consuelo, pra mim, vai pra Ingrid, ele continua. Um movimento de luz, um movimento de amor, amor pela arte, e amor próprio, né? De saber que a pode fazer o que a gente quiser. Essa inspiração eu espero que inspire outras gerações e que no futuro o balé não tenha uma cor só, e que eles vejam no balé que um corpo de baile de vários tons de marrom é muito mais bonito do que um tom só, branco, ou cor de rosa e o que for”.
((( Trilha )))
Este foi o último episódio da 1ª temporada do Negra Voz Podcast, que voltará em breve.
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Produção, roteiro e edição são meus, Tiago Rogero
A trilha de abertura e encerramento é de Victor Rodrigues Dias e Felipe Kneipp.
Até breve.